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A vida é realmente muito maluca. Quando era criança pensava que conforme as pessoas cresciam os caminhos já eram definidos, que todos cresciam, estudavam, se formavam, namoravam, casavam, tinham filhos, pagavam contas, envelheciam, tinham netos, e morriam. Mais ou menos assim. Nunca percebi a complexidade da vida, de ser adulto, do dia a dia, das mudanças de caminhos, da quantidade de amores que podemos ter, de quantos sentimentos diferentes existem, de quantas infinitas possibilidades temos, simplesmente pelo fato de estarmos vivos.
Se eu tivesse prestado um pouco mais de atenção teria visto que os meus pais, ali, bem aos meus olhos eram exemplo clássico dessas diversas possibilidades.
Confesso que cresci não os entendendo, e por serem tão diferentes, desenvolvi uma mania de criticá-los. Mal sabia eu, que sou tão parecida com eles. Então a menina cresceu, a princípio somente em tamanho. Queria ser diferente daqueles dois tão fora do padrão. Ser fora do padrão era tudo que eu não gostaria de ser. Mas eu já era, e não percebi. A mesma vontade de viver que meus pais tinham, era enraizada em mim. Hoje, entendo perfeitamente aqueles dois, que eu chamada de loucos. Eram loucos pela vida. Que lindos. Ainda bem que sou filha deles, não poderia ser filha de uma Maria e João, Paulo e Regina, Carlos e Lucia. Sou filha deles, sou como eles. Trago dentro de mim essa vontade de sentir as coisas, de amar as pessoas, de superar as dores, de crescer, de ser digna em todos os meus momentos. Com eles, aprendi a não ter preconceito, sou muito grata por isso.

É muito bom, poder ver beleza onde a maioria das pessoas vê feiúra. Um exemlo clássico desta minha curiosidade pela vida, me leva ao Sr. Raimundo. Raimundo, seu nome de batismo. Fala o português perfeito, sem erros, pronúncia clara. Temos algo em comum que é a escrita. Assim como eu, ele gosta muito de escrever, e o faz com magnitude. Vejo Sr. Raimundo diariamente a caminho do trabalho. Há anos passo em frente a sua morada, sempre com muita vontade de parar para conhecê-lo pessoalmente. Tenho a idéia clara de que posso aprender algo com as histórias de vida alheias onde sei que posso encontrar a beleza que não é vista a olhos nus.
Sempre atrasada para o trabalho não conseguia parar para bater um papo com o Sr. Raimundo.
Mas aquele desejo crescia, e certo dia acordei bem mais cedo, passei na padaria, comprei um pedaço de torta de frango para levar, afinal, não se chega na casa de alguém pela primeira vez com as mãos abanando.
Não consegui estacionar o carro, então parei e o chamei. Nos conhecemos rapidamente, entreguei a torta, falamos sobre a pressa na vida cotidiana. Ele me pediu que voltasse pois escreveria algo pra mim, e assim combinamos, no sábado. Esperei ansiosa pelo sábado, e chegado o dia fui visitá-lo com calma.
Quando cheguei, ele estava fazendo a janta, e escrevendo.
- "O que está escrevendo?"
- "Meu diário de nutrição. Anoto tudo o que consumo, para saber se estou me alimentando corretamente"
Nossa, nunca fiz isso!
- "O que mais o senhor escreve?"
-"Pensamentos, sentimentos"
- "Também gosto muito de escrever"
-"Faz bem à alma".
- "E o frio, como o senhor está passando?"
-"Não gosto do frio, mas a gente aprende a conviver com o que é difícil"
Queria levar um cobertor a ele, mas ele recusou. Estava acostumado a viver assim. Mais tarde, ofereci 2 reais, e ele recusou, decididamente.

Ele estava sentado, com seu caderno no colo, então, me agachei, e fiquei ali, conversando não sei por quanto tempo, não poderia olhá-lo de cima para baixo, me sentia pequena demais perto de Raimundo. Ele têm olhos doces. Tem um coraçnao bonito, por trás daquela roupa preta.
Não bebe, não fuma. Pedia licença de vez em quando para dar uma olhada na panela que estava no fogo.
Me entregou o escrito, como havia prometido:

-"Gestos - Páginas Autografas.

"Na escola, o único aluno com sinal de desnutrição, hoje, acabaria, fonte de nutrição mental".

aas.: o "Condicionado".
SP, 16-6-1999+10(<) "
.

Ainda não sei como ele foi parar ali, achei invasão demais perguntar isso no segundo encontro.
Raimundo é nobre.
Na despedida, ele convida-me a jantar:
-"Gostaria de ficar para jantar?".
Não aceitei pois tinha comido há menos de 2 horas.
Combinamos que eu voltaria para batermos mais papo.
-"Foi um imenso prazer conhecê-lo", eu disse. E nos despedimos.

6 comentários:

Sabe, o bonito é convencionado. Tudo o que é convencionado a gente aprende e absorve pelo costume. Então, a gente absorve o parâmentro e quem não se encaixa é o contrário. Eu sempre gostei de fazer parte de uma família fora do padrão e achava a normalidade meio tola. Não me acostumo com as pessoas normais (considerando o padrão normal estabelecido)! Principalmente agora que escrevo sobre pessoas que não são normais.
É fuxicar o lixo pra encontrar a flor.
É parar pra conhecer alguém, assim como você fez.
É fazer como um arqueólogo e mexer nas humanidades cotidianas! Você fez isso quando quis conhecer o Sr. Raimundo e seu desejo de saber de sua história talvez faça com que você desvende outras luzes!
Aí, a gente soma tudo com o que já sabemos e percebemos que viver é tudo, menos exato. Não tem fórmula pra ser criança e nem tem fórmula pra ser adulto. Há apenas ritos de passagens.

O mecanismo das amizades
A matemática dos amantes
É tudo só artesanato
O resto são escombros...
(Do Renato Russo!)

23/06/2009, 07:30  

Aposto que tu voltou repleta de felicidade.

Qdo trabalhei na rua,a principio tinha a pretensão de ser A bacanona ajudando.

Semanas depois descobri que estava ali mendingando por ajuda,e o que foi melhor ,encontrava generosidade sempre.

Diferente de nós,que engrandecidos por um ego gigantesco eles já se livraram disse,e quando se permitem entregam o que tem que é a eles próprios.

Nunca foi tão bom como naquele periodo.

Lindo isso aqui

LINDO

afagos

Denise

23/06/2009, 09:14  

Karen,
Como vc é uma querida!
Assino embaixo do que as meninas disseram.
Bjs.

23/06/2009, 16:22  

essa infinitude de matizes, de possibilidades, é que traz beleza à vida... tudo 'certinho' seria sem graça demais.
flor, pode publicar o texto que quiser, claro!!
bjo

24/06/2009, 13:47  

caramba... é o senhor que fica na pedroso, não é?

24/07/2009, 11:31  

é ele mesmo!
saudadaes suas Sa!
bjo

24/07/2009, 12:21  

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